sábado, 28 de julho de 2007

A

ETERNIDADE

NO TEMPO

Fritz Guy

Pastor-Associado da Igreja da Universidade de loma Linda.

A experiência do sábado como um tempo santo é também uma experiência da eternidade.

Não sabemos exatamente quan­do ou onde aconteceu, nem os nomes das pessoas que estavam lá; mas sabemos que aconteceu no sábado e que envolveu Jesus, alguns de Seus discípulos e tam­bém alguns de Seus críticos.

Sabemos também que o que aconteceu foi importante para os cristãos primitivos e que eles relembraram a história, porque ela está registrada nos Evange­lhos de Mateus, Marcos e Lucas. Eis o relato de Marcos sobre o incidente:

"Noutra ocasião, num dia de sábado, enquanto Jesus e os dis­cípulos dEle estavam atraves­sando os campos, os discípulos iam arrancando espigas de trigo e comendo o grão. Alguns dos lí­deres religiosos judaicos disse­ram a Jesus: 'Eles não devem es­tar fazendo isso! É contra as nos­sas leis colher grão no sábado.'" Marcos 2:23 e 24, A Bíblia Viva. Evidentemente, eles supunham que os discípulos estivessem cei­fando — uma das 39 classes de atividades proibidas no sábado.

"Mas Jesus respondeu: 'Vocês nunca ouviram a respeito da oca­sião em que o rei Davi e os com­panheiros dele estavam com fo­me, e ele entrou na casa de Deus

— por esse tempo o supremo sa­cerdote era Abiatar — e come­ram o pão especial que só os sa­cerdotes tinham permissão de co­mer? Aquilo também era contra a lei.

"Mas o sábado foi feito para beneficiar o homem, e não o ho­mem para beneficiar o sábado. E Eu, o Messias, tenho autorida­de até mesmo para decidir o que os homens podem fazer nos dias de sábado.'" Marcos 2:25-28, A Bíblia Viva. Equivale a dizer: "O sábado foi feito em benefício da humanidade, não o contrá­rio." Isso nos faz lembrar da história da criação, que findou com Deus terminando Seu tra­balho, descansando e santificando o sétimo dia.

A história da criação é a histó­ria da essência das coisas; a ver­dadeira natureza do mundo e da humanidade, antes da desastro­sa consequência do pecado dis­torcer tudo. O sábado é parte dessa "essência das coisas". Je­sus disse que ele foi dado em atenção à humanidade. Ser hu­mano é, entre outras coisas, ter o sábado. E ter o sábado e expe­rimentá-lo de fato é ser real­mente humano.

Que é o Sábado?

Ao falar sobre o sábado, a primeira e mais óbvia coisa que se destaca é que ele é um dia, um período de tempo. Ele não é um lugar ou objeto santo, mas sim um tempo santo. Normalmente, você não precisa estar num lu­gar em particular para experi­mentar o sábado.

A segunda coisa a dizer sobre o sábado é que é um tempo espe­cial — tempo santo. Tempo que de alguma maneira está relacio­nado com Deus. Tempo que tem o propósito de ajudar-nos a rela­cionar com Deus.

Em geral, não estamos satis­feitos com o tempo. As vezes te­mos tempo em demasia (então ficamos enfadados), outras ve­zes ele é muito curto (aí ficamos desapontados). Tempo é a ma­neira pela qual experimentamos as consequências do pecado: sentimos que ele está indo em­bora e que o mesmo está aconte­cendo conosco. Sabemos que te­mos como limite a "linha da morte". Frequentemente, o tem­po é uma experiência de frag­mentação e frustração na nossa condição humana.

Mas o tempo santo é bastante diferente, porque ele nos ofere­ce uma experiência em forma de unidade, não fragmentada. O sábado é uma oportunidade pa­ra unificar nosso tempo (e, por­tanto, nós mesmos).

O sábado é uma oportunidade para entrarmos em contato com o passado: nosso próprio passa­do, que nos tornou o que somos hoje; o passado genealógico e espiritual da nossa família; o passado da revelação de Deus em Jesus; o passado do trabalho de criação de Deus; e, por últi­mo, o passado do amor de Deus — a razão da existência de cada coisa.

O sábado é também uma oportunidade para tocar o futu­ro: nosso próprio futuro, cheio de possibilidades e sonhos; o fu­turo de nossos filhos carnais e espirituais; a vinda futura de Deus novamente na pessoa de Jesus; a futura recriação do mundo; e, por último, o futuro do amor de Deus — o alvo de to­da as coisas.

O sábado é uma oportunidade para expandir o presente, ligan­do o passado e o futuro. É uma oportunidade para experimen­tar a totalidade da eternidade agora, de maneira antecipada.

A eternidade é simplesmente tempo como um todo — incluin­do todo o nosso passado e todo o passado de Deus, todo o nosso futuro e todo o futuro de Deus. Visto que o sábado pode nos oferecer tudo isso, ele se torna uma experiência de eternidade no tempo. Em virtude de o amor de Deus estar no "limite" do passado e no "limite" do futuro, o sábado se torna, mais do que qualquer coisa, uma experiên­cia do amor de Deus.

A terceira coisa a se dizer so­bre o sábado é que ele é um tem­po particular: esse tempo do sé­timo dia não é negociável, por­que faz parte do que o sábado é. O sábado simplesmente existe no tempo certo. Nesse sentido, ele é parecido com um dia de nascimento; você pode ignorar o dia do nascimento ou fingir que é outro dia, mas na realida­de ele permanece no dia em que de fato é, baseado no aconteci­mento histórico.

O sábado é também baseado num fato, em coisas que aconte­ceram: Deus descansou no séti­mo dia (Gênesis 2:2) - E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito.

(Gênesis 2:3) - E abençoou Deus o dia sétimo, e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra que Deus criara e fizera. O quarto mandamento explicitamente iden­tifica o sábado com o sétimo dia (Êxodo 20:10) - Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas. (Deuteronômio 5:14) - Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhum trabalho nele, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem animal algum teu, nem o estrangeiro que está dentro de tuas portas; para que o teu servo e a tua serva descansem como tu; e Jesus esclareceu e apontou o signifi­cado do sábado (Marcos 2:27) - E disse-lhes: O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. (Lucas 4:16) - E, chegando a Nazaré, onde fora criado, entrou num dia de sábado, segundo o seu costume, na sinagoga, e levantou-se para ler. E outras passagens paralelas nos Evangelhos.Essa ênfase do sábado no séti­mo dia é "arbitrária" de alguma maneira, porque poderia ter sido diferente. Não há razões astronó­micas para a semana de sete dias. E o dia em si não é diferente dos outros dias. Suas horas são as mesmas e o clima também.

Além disso, não há como con­figurar essa ênfase do sábado no sétimo dia a não ser através de princípios teológicos e éticos gerais. Neste ponto, o quarto mandamento é diferente dos ou­tros nove.

A ideia do sábado do sétimo dia vem somente de um entendi­mento da revelação da atividade e da vontade de Deus. Em geral, portanto, ela está baseada na autoridade religiosa dos do­cumentos bíblicos. E está baseada especialmente na autoridade do exemplo de Jesus.

Assim, o sábado é uma expe­riência do sétimo dia como tem­po santo, que é também uma ex­periência de eternidade.

O significado do sábado é a verdade de que Deus é amor — criador, perdoador, amor trans­formador. Deixe-me tentar ex­plicar como isto funciona na ex­periência do sábado.

A experiência do sábado sig­nifica que o amor de Deus é o centro de nossa existência. É um reconhecimento de Deus co­mo Criador, a Fonte última de tudo que temos e somos. Nenhu­ma pessoa se faz por si mesma, náo importa quão duro ela lute pelo sucesso.

O sábado também nos lembra que o significado da nossa vida náo depende do sucesso do nos­so trabalho. Naturalmente, nos­so trabalho é importante, e o su­cesso também. Mas nada disso é supremamente importante. O sábado ajuda-nos a não confun­dir o que é bom com o que é es­sencial, supremo. O significado de nossa vida não depende do que realizamos, mas do fato de sermos amados e aceitos, per­doados e redimidos pelo pró­prio Deus.

O sábado significa descanso em Cristo. "Venham a Mim", Ele disse, "e Eu lhes darei des­canso — todos vocês que traba­lham tanto debaixo dum jugo pesado." S. Mat. 11:28, A Bíblia Viva, (Mateus 11:28) - Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Sabemos que temos en­contrado esse descanso, espe­cialmente no sábado.

Cada sábado vem como um presente. Ele não é um prémio por seis dias de trabalho duro ou pela diligente preparação na sexta á tarde. Nenhuma pessoa que tenha boa percepção espiri­tual suporá que ela está real­mente pronta para o tempo san­to. Mas embora não estejamos

verdadeiramente preparados, a dádiva do sábado é certa, por­que Deus nos ama de qualquer jeito. O "presentão" da expe­riência de cada sábado é uma experiência de descanso em Cristo de todos os esforços que fazemos para ser suficiente­mente bons a fim de que Deus nos salve.

Desse modo, o sábado é um símbolo particular do dom da vi­da eterna. Como alguém poderia estar preparado para chegar à presença de um Deus santo? Na­turalmente, tentamos nos prepa­rar no sábado tão bem quanto podemos, mas estamos conten­tes porque a vida eterna é um dom, e não uma recompensa.

Aqui está uma outra maneira de o sábado ser para nós uma ex­periência de eternidade no tem­po. A experiência do sábado é uma percepção da presença de Deus — uma experiência de Ema­nuel, "Deus está conosco". E aqui vemos porque a experiência do sábado para o cristão não é mera­mente a continuação de um anti­go costume hebraico. Jesus trans­forma tudo, inclusive a expe­riência do sábado.

O Que Ele Faz?

O que o sábado faz? Podemos dar duas respostas.

Primeiro, ele providencia um "descanso" periódico — uma li­beração das rotinas diárias e do ritmo de nossa vida, um tempo de "revigoração" e restauração. O sábado também tem o propósi­to de nos libertar da pressão e afobamento, da frustração e an­siedade. Ele é, como o hino diz, "deleite da minha alma", e, como diz o rabi Abraham J. Heschel, "uma oportunidade para reparar nossa vida esfrangalhada".

Segundo, o sábado provê tem­po para adoração. Nele, cessa­mos nossas atividades o máximo i possível e assim podemos nos concentrar em nosso relaciona­mento com Deus. O sábado nos oferece tempo para reafirmar­mos nosso compromisso com nossos mais altos valores e tentar entender suas implicações para nossa vida.

Deus e nossos valores básicos nunca estáo ausentes de nossa vi­da ou consciência, mas muitas outras coisas demandam nossa atenção primária durante a se­mana. O sábado nos dá tempo pa­ra dirigirmos nossa atenção para as realidades eternas.

É alguma coisa como estar amando. Quando trabalha, você pensa primariamente no seu tra­balho, embora quem você ama nunca fique completamente au­sente de sua consciência. Mas vo­cê precisa e quer, de quando em quando, pensar primariamente em quem você ama. O tempo pa­ra a adoração é para a vida reli­giosa o que o tempo para a inti­midade é para o amor.

O fato de o sábado ser um dia de descanso com a finalidade de prover tempo para a adoração explica porque damos atenção ao tipo cie coisas que fazemos. O sábado é um dia para ser pro­fundamente deleitoso, embora não malbaratado. Deve ser um tempo feliz, mas não frívolo. Tu­do que estimula nossa consciên­cia de Deus, ajuda-nos a conse­guir uma genuína experiência do sábado.

Shalom

Uma das maiores palavras de todas as línguas é a palavra he­braica sholum. Ela significa "paz", mas significa mais do que ausência de hostilidade. Ela significa também profunda feli­cidade e alegria, satisfação e plenitude. Significa a suprema experiência que Deus dá à hu­manidade. Ela não é, contudo, o resultado de talento e trabalho duro; é um dom da graça.

Shalom é prometida para a vi­da eterna que ainda está por vir. Mas, ela pode começar a ser desfrutada na experiência do sábado agora. Shalom é o que o sábado é, significa e faz.

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